A Quaresma é um período litúrgico significativo para os cristãos, marcando os 40 dias de preparação para a celebração da Páscoa. Este tempo de penitência é vivido de maneiras semelhantes em várias tradições religiosas. No judaísmo, por exemplo, o YomKippur, ou “Dia da Expiação”, é um momento de arrependimento e reflexão. Os muçulmanos celebram o Ramadã, um mês sagrado de jejum e práticas de caridade. No cristianismo, especialmente entre os católicos, a Quaresma é uma oportunidade para intensificar a conversão, praticando a penitência, a oração e a reflexão, em busca de transformação espiritual.
Porém, a verdadeira profundidade da Quaresma vai além de uma simples “dieta” ou restrição alimentar. Aqueles que veem este período apenas como uma oportunidade para reduzir o consumo de alimentos ou controlar a alimentação estão limitando seu propósito. A penitência quaresmal não visa apenas a moderação física, mas a purificação da alma. Ao praticar a mortificação, os cristãos buscam ordenar seus impulsos e desejos, realizando um caminho mais seguro para se aproximarem de Deus, que é o modelo de perfeição para todos.
Dentro das práticas de penitência da Quaresma, destaca-se uma virtude essencial: a caridade. Considerada pela Igreja Católica uma virtude teologal, a caridade é uma das mais altas expressões do amor cristão, pois “une de forma inseparável o amor a Deus e ao próximo”. Essa virtude é um dom de Deus, que foi impresso no coração humano, e sua manifestação plena acontece por meio de uma verdadeira conversão interior. A caridade não é apenas um sentimento, mas uma atitude concreta, que leva à ação em favor dos outros. Como ensina o Evangelho, “amar a Deus sobre todas as coisas” e “amar o próximo como a si mesmo” (Mt 22,37-39) é o cumprimento do mandamento maior de Jesus.
A exigência de amar e praticar a caridade vem diretamente de Cristo, que deixou claro que esse amor deve ser a marca de seus discípulos. Ao nos exortar a amarmos uns aos outros assim como Ele nos amou, Jesus estabelece um padrão elevado para a vida cristã. Ele nos diz: “Permanecei em meu amor. Se observais os meus mandamentos, permanecereis no meu amor” (Jo 15,9-10). O amor de Cristo, por ser o mais sublime, é a força que move a ação de quem o segue, mantendo-nos fiéis aos mandamentos e à moral divina.
Uma forma prática de viver essa caridade na Quaresma é, por exemplo, ao nos abster de certos alimentos, destinar aquilo que economizamos para os mais necessitados. Não se trata apenas de fazer sacrifícios pessoais, mas de compreender que enquanto praticamos o jejum, muitos em nossa sociedade sofrem de uma fome constante, não apenas de alimentos, mas de dignidade e justiça. A solidariedade com os pobres e marginalizados é uma forma de viver a verdadeira caridade, que não só se preocupa com as necessidades espirituais, mas também com as necessidades materiais do próximo. Ao ajudar aqueles que padecem durante o ano inteiro devido à pobreza, participamos da construção de um mundo mais justo e humano.
Este gesto de partilha é o reflexo da prática do amor verdadeiro que, no fim, poderá nos permitir ouvir de Cristo as palavras de acolhimento: “Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundoporque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim” (Mt 25,34-36). A Quaresma, portanto, é um convite para que os cristãos revejam suas atitudes, se convertam ao amor de Deus e se tornem instrumentos de transformação no mundo, promovendo a justiça, a paz e a caridade entre todos os homens.
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